Dispositivos do dia a dia, como smartphones e computadores, contam com chips de segurança dedicados. Os iPhones, por exemplo, trazem o Secure Enclave; já aparelhos Android utilizam Keystore, Trust Zone ou StrongBox.
Essa área física isolada é chamada de TEE (Trusted Execution Environment). O princípio fundamental é “apenas entrada, sem saída”: as chaves privadas são geradas e permanecem dentro desse espaço, sem nunca sair. Aplicativos externos só podem solicitar a assinatura de dados.
Essa arquitetura segue o padrão das carteiras hardware. Os chips geralmente usam uma curva criptográfica reconhecida pelo setor, definida pelo NIST (National Institute of Standards and Technology): secp256r1. Esse mesmo padrão é a base das autenticações WebAuthn e FIDO2, como login por biometria ou FaceID.
Porém, o Ethereum não é compatível nativamente com o amplamente utilizado secp256r1.
Historicamente, preocupada com possíveis “backdoors em nível nacional” nas curvas do NIST, a comunidade Bitcoin preferiu a menos comum secp256k1. O Ethereum adotou essa decisão ao estruturar seu sistema de contas.
Embora r1 e k1 se diferenciem por uma letra, são matematicamente distintas. Isso gera um grande desafio: o chip de segurança do seu celular não consegue assinar transações Ethereum diretamente, pois não compreende a criptografia do Ethereum.
O Ethereum não tem como exigir que Apple ou Samsung redesenhem seus chips para suportar secp256k1. O único caminho viável é adaptar o Ethereum para secp256r1.
Seria possível validar assinaturas r1 via smart contracts? Em teoria, sim—mas os cálculos são tão complexos que uma única verificação pode consumir centenas de milhares de Gas, tornando o processo economicamente inviável.
Para superar isso, o upgrade Fusaka trouxe uma inovação: contratos pré-compilados. Essa solução incorpora a lógica de verificação diretamente no código do cliente da Ethereum Virtual Machine (EVM), dispensando cálculos passo a passo. Os desenvolvedores só precisam acionar um endereço específico para realizar a verificação com custo mínimo.
Pelo EIP-7951, o custo de verificação é fixo em 6.900 Gas, reduzindo de centenas de milhares para apenas alguns milhares—viabilizando o uso cotidiano.
Com este EIP, já é possível autorizar assinaturas de smart accounts para Ethereum diretamente no ambiente TEE do celular.
Importante: isso não se aplica aos endereços EOA atuais do MetaMask, pois a lógica da chave pública ainda depende de k1.
Essa solução é voltada para Account Abstraction (carteiras AA). No futuro, as carteiras deixarão de depender de frases mnemônicas e funcionarão como smart contracts. O código do contrato pode definir:
“Se esta impressão digital (assinatura r1) for validada, então as transferências são autorizadas.”
O EIP-7951 não elimina as frases mnemônicas de imediato, mas remove o maior obstáculo para a adoção em larga escala do Ethereum.
Antes, o usuário enfrentava uma decisão difícil: para ter custódia própria “nível institucional”, era preciso comprar uma OneKey, Keystone ou Ledger e proteger a frase mnemônica. Para uma experiência mais fluida, era necessário armazenar ativos em exchanges ou carteiras de custódia, abrindo mão do controle e da descentralização.
Após o upgrade Fusaka, esse dilema deixa de existir.
Com o EIP-7951, usar o celular como carteira hardware se torna realidade. Para o próximo bilhão de usuários, não será mais necessário entender chaves privadas ou passar pelo estresse de anotar 12 palavras.
Basta escanear o rosto ou a impressão digital, e o chip de segurança do iPhone usará secp256r1 para assinar transações, que serão validadas pelo contrato pré-compilado do Ethereum.
Esse é o caminho para o Ethereum alcançar seu próximo bilhão de usuários: não exigindo domínio de criptografia avançada, mas adotando padrões universais da internet e atendendo o usuário onde ele está.





