Com a chegada do inverno nos Estados Unidos e o aumento das contas de eletricidade pressionando os orçamentos domésticos, a maioria dos americanos seguirá utilizando fontes convencionais de aquecimento, como óleo, gás natural e aquecedores elétricos. Em casos pontuais, criptomoedas são responsáveis pelo calor, e, segundo alguns defensores do setor, em breve o uso de cripto como fonte de aquecimento poderá se expandir para residências e edifícios.
O princípio é simples: a mineração de cripto consome grande capacidade computacional e gera muito calor, que acaba sendo dissipado no ar. De acordo com a K33, o setor de mineração de Bitcoin gera cerca de 100 TWh de calor por ano — o suficiente para aquecer toda a Finlândia. Esse desperdício, em uma indústria altamente intensiva em energia, impulsiona empreendedores a buscar formas de reaproveitar esse calor em residências, escritórios ou outros ambientes, especialmente nos períodos mais frios.
Durante uma onda de frio recente, o The New York Times analisou o HeatTrio, um aquecedor de ambiente de US$900 que também realiza mineração de bitcoin. Outros utilizam equipamentos domésticos de mineração de criptomoedas para distribuir calor por toda a casa.
“Já vi equipamentos de mineração de bitcoin funcionando discretamente em sótãos, com o calor sendo redirecionado pelo sistema de ventilação para reduzir custos de aquecimento. É uma solução criativa para uma energia que seria desperdiçada,” comenta Jill Ford, CEO da Bitford Digital, mineradora sustentável sediada em Dallas. “Aproveitar esse calor mostra como mineradores de cripto podem ser aliados do setor energético, desde que se explore todo o potencial de uso,” completa Ford.
Nem sempre haverá economia direta na conta de luz — fatores como tarifas locais e desempenho das máquinas influenciam bastante — mas a estratégia pode gerar receita adicional para compensar os gastos com aquecimento.
“O custo é equivalente ao de aquecer a casa, mas o diferencial é minerar bitcoin ao mesmo tempo,” afirma Ford.
Uma máquina de mineração, mesmo antiga, já é suficiente. Quem minera sozinho pode entrar em pool de mineração para compartilhar poder computacional e receber pagamentos proporcionais, tornando os retornos mais previsíveis e alterando a lógica econômica.
“Usar mineração de cripto ou processamento via GPU para aquecer ambientes é uma ideia engenhosa, pois quase toda a energia consumida acaba se convertendo em calor,” analisa Andrew Sobko, fundador da Argentum AI, que desenvolve um marketplace para compartilhamento de recursos computacionais. Ele ressalta que essa abordagem faz mais sentido em ambientes grandes, especialmente em climas frios ou edifícios de alta densidade, como data centers, onde o reaproveitamento do calor computacional tem potencial industrial real.
Para funcionar — já que não é possível transportar calor fisicamente — é necessário identificar onde ele é necessário e direcionar o processamento para esses locais, seja em parques industriais ou em prédios residenciais.
“Colaboramos com parceiros que já redirecionam o calor computacional para sistemas de aquecimento predial e até para estufas agrícolas. É nesse tipo de aplicação que os ganhos econômicos e ambientais realmente aparecem,” afirma Sobko. “Ao invés de transportar o calor, aproximamos o processamento de onde ele é útil,” conclui.
Há muitos especialistas céticos.
Derek Mohr, professor associado da Simon School of Business na Universidade de Rochester, não acredita que o aquecimento residencial por cripto seja o futuro — nem mesmo a mineração industrial é isenta de problemas.
Hoje, a mineração de bitcoin é tão especializada que um computador doméstico, ou mesmo uma rede deles, tem chance praticamente nula de minerar um bloco. As fazendas usam ASICs dedicados que mineram bitcoin muito mais rápido que qualquer PC comum, segundo Mohr.
“A mineração doméstica de bitcoin — e em redes de computadores caseiros — teve algum êxito há dez anos, mas já não é mais viável,” afirma Mohr.
“Os dispositivos de aquecimento com bitcoin que vi nada mais são que aquecedores convencionais, que usam a própria eletricidade do usuário... o que não é uma solução eficiente para aquecimento residencial,” explica. “Sim, a mineração de bitcoin gera muito calor, mas a única maneira de levar isso para casa é usando sua própria energia,” reforça Mohr.
Ele ressalta que, embora deixar o computador ligado gere calor, a probabilidade de minerar um bloco de bitcoin é mínima.
“Na minha visão, isso não é uma oportunidade real. Na prática, explora conceitos que as pessoas já ouviram — calor excedente da mineração e lucros do processo — e alimenta uma falsa esperança de retorno para o usuário comum,” afirma Mohr.
Por outro lado, especialistas apontam que a adoção mais ampla de equipamentos plug-and-play e autônomos pode tornar a proposta viável em mais lugares no futuro. No mínimo, defendem a análise dos potenciais econômicos e ambientais do uso dual, já que a mineração de cripto produz calor relevante como subproduto do processamento computacional.
“Como aproveitar o calor excedente para outras funções? Isso pode ir do aquecimento residencial ao aquecimento de água, até de piscinas. Assim, a eficiência energética do processo aumenta,” enfatiza Nikki Morris, diretora executiva do Texas Christian University Ralph Lowe Energy Institute.
Ela ressalta que o conceito de aquecimento por cripto ainda está em fase inicial, e a maioria das pessoas desconhece seu funcionamento ou implicações mais amplas. “Esse é o aspecto interessante. Na Texas Christian University, buscamos apoiar a construção de vocabulário e viabilidade comercial, junto a parceiros do setor,” diz Morris.
Como a mineração gera um ativo digital negociável, cria-se uma fonte de receita adicional a partir do consumo energético, e a origem da energia pode ser desde a rede elétrica até gás, energia solar, eólica ou bateria, segundo Morris. Ela cita como exemplo a recarga de veículos elétricos em edifícios mistos ou condomínios.
“Imagine um condomínio onde a estrutura de mineração gera tanto moeda digital quanto calor aproveitável. Isso abre espaço para inovação em energia distribuída, ampliando a base de usuários e complementando sistemas tradicionais de aquecimento e geração renovável,” explica Morris.
Há diversas questões a serem analisadas, como eficiência em diferentes escalas, integração com outras fontes de energia, regulamentação e impactos ambientais. “Mas, com a evolução dessas tecnologias, é válido enxergar o aquecimento por cripto não apenas como curiosidade, mas como uma janela para a convergência dos sistemas digitais e físicos de energia no futuro,” conclui Morris.
O futuro do aquecimento por cripto já começa a ser testado em Challis, Idaho, onde a empresa Softwarm, de Cade Peterson, reaproveita o calor da mineração de bitcoin para enfrentar o inverno.
Estabelecimentos locais vêm experimentando equipamentos da Softwarm para minerar e aquecer. Na TC Car, Truck and RV Wash, Peterson conta que o proprietário gastava US$25 diários para aquecer os boxes, derreter neve e aquecer a água.
“Aquecedores comuns consomem energia sem retorno. Com mineradores de bitcoin, a operação gera mais receita em bitcoin do que custa operar,” relata Peterson. Já uma empresa de concreto industrial equilibra uma conta de US$1.000 mensais para aquecer um tanque de 2.500 galões utilizando calor de bitcoin.
Há dois anos e meio, Peterson aquece sua própria casa com equipamentos de mineração de bitcoin e acredita que, no futuro, o calor será fonte de energia para quase tudo. “Daqui a alguns anos, você irá a uma loja de materiais de construção comprar um aquecedor de água com interface de dados e sua água será aquecida via bitcoin,” projeta Peterson.





